Além de Manter a Luz Acesa

A sustentação de operações empresariais se dá quase inevitavelmente por meio de sistemas informatizados. Tais sistemas podem realizar operações básicas como controlar estoque, a comercialização de produtos e serviços de uma pequena loja, assim como oferecem meios para monitorar toda a cadeia de suprimentos, produção e distribuição de uma indústria com presença global.

Nas últimas duas décadas surgiram empresas que não apenas utilizam sistemas informatizados para gestão de seus negócios, bem como em alguns casos, seus negócios são totalmente baseados em sistemas de informação. Ou seja, empresas onde o maior ativo é um sistema de informação, que além de garantir a operação do negócio, também é a base da geração dos seus produtos e serviços.

Empresas que operam ou que são baseadas em tecnologia sofrem de problemas similares no que se refere à manutenção, e principalmente, evolução de seus sistemas legados. Garantir a capacidade operacional de um sistema que está em operação por um longo prazo é um desafio técnico e também de negócio. Entretanto, a grande maioria das pesquisas se dedica quase que exclusivamente aos aspectos técnicos, e comparativamente poucos trabalhos focam diretamente nos aspectos de negócio (KHADKA et al., 2014). Assim, as pesquisas existentes ainda não são suficientes para discutir de forma abrangente o tema.

Cada aplicação ou sistema tem diferente valor (e forma) para seus operadores de acordo com o contexto e a condição em que é operado. O valor relativo de uma aplicação para uma companhia pode estar associado à sua condição técnica, valor comercial, características da manutenção e operação (RANSOM; SOMERVILLE; WARREN, 1998), assim como à condição da documentação e maturidade da equipe técnica (KHADKA et al., 2014).

São essas mesmas condições que podem tornar o processo de modernização de uma aplicação legada em uma jornada única para seus interessados, pois não é fácil evoluir ou migrar centenas de programas e bancos de dados sem interromper o serviço de processamento, assim como não é fácil justificar tal projeto (SNEED, 1995).

Um projeto de modernização de sistema legado implica investir uma significativa quantia extra de dinheiro e tempo para garantir a operação futura de uma aplicação que já consome dinheiro e tempo para seguir operando hoje.

Essa afirmação se torna ainda mais contundente ao saber que, de forma geral, sistemas legados tendem a consumir mais de 80% do orçamento de TI das companhias apenas para manutenção e operação (ERLIKH, 2000). No ano de 1992, já se constatava que a vida útil média de uma aplicação de negócio era de 8 anos (TAMAI; TORIMITSU, 1992) e não há indícios de que esse valor tenha se alterado significativamente nos anos atuais (STROBL; BERNHART; GRECHENIG, 2020).

Ao abordar as características de negócio da aplicação legada, ou seja, aquelas que não estão relacionadas diretamente à sua arquitetura, como, linguagem de programação ou ambiente transacional, é evidenciada a condição de que projetos tecnológicos corporativos, na verdade, são projetos conectados aos casos operacionais que os sustentam (KHADKA et al., 2014).

Projetos de modernização de sistemas legados devem estar alinhados aos interesses e às demandas corporativas, indicando que sua modernização irá tornar sua operação de alguma forma mais eficiente ou permitirá, sob algum aspecto, aprimorar a sustentação do negócio.

É na intersecção entre oferecer soluções tecnológicas atualizadas e garantir a continuidade do negócio que é exposto um possível distanciamento entre a academia e a indústria. A modernização de sistemas legados é um campo de pesquisa profundamente explorado em termos tecnológicos, oferecendo inúmeras alternativas para reengenharia de aplicações e os desafios associados (KHADKA et al., 2014), mesmo sendo criticada em alguns momentos pela tendência de oferecer soluções definitivas para os problemas técnicos do passado na forma de uma bala de prata, muitas vezes ignorando que a solução infalível de hoje será parte do problema do sistema legado no futuro (STROBL; BERNHART; GRECHENIG, 2020)..

Esse distanciamento entre a academia e a indústria fica ainda mais claro quando nos deparamos com a reflexão realizada por David Parnas.

Pesquisadores de Engenharia de Software continuam a pregar para convertidos, a escrever artigos uns para os outros e a ignorar o que está acontecendo onde a maioria dos softwares é escrita. Eles assumem que “design para mudança” é um problema antigo, não um que necessita de mais trabalho. Eles estão errados! – Parnas (1994)

Referências

ERLIKH, L. Leveraging legacy system dollars for e-business. IT Professional, v. 2, n. 3, p.
17–23, May 2000. ISSN 1941-045X.

KHADKA, R. et al. How do professionals perceive legacy systems and software modernization? In: Proceedings of the 36th International Conference on Software Engineering. New York, NY, USA: Association for Computing Machinery, 2014. (ICSE 2014), p. 36–47. ISBN – Disponível em: https://doi.org/10.1145/2568225.2568318.

RANSOM, J.; SOMERVILLE, I.; WARREN, I. A method for assessing legacy systems for evolution. In: Proceedings of the Second Euromicro Conference on Software Maintenance and Reengineering. [S.l.: s.n.], 1998. p. 128–134.

SNEED, H. Planning the reengineering of legacy systems. IEEE Software, v. 12, n. 1, p. 24–34, 1995.

STROBL, S.; BERNHART, M.; GRECHENIG, T. Towards a topology for legacy system migration. In: Proceedings of the IEEE/ACM 42nd International Conference on Software Engineering Workshops. New York, NY, USA: Association for Computing Machinery, 2020. (ICSEW’20), p. 586–594. ISBN 9781450379632. Disponível em: https://doi.org/10.1145/3387940.3391476.

TAMAI, T.; TORIMITSU, Y. Software lifetime and its evolution process over generations. In: Proceedings Conference on Software Maintenance 1992. [S.l.: s.n.], 1992. p. 63–69.


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